terça-feira, 26 de agosto de 2008

O Escravo de Paulo Coelho

Antônio Walter Sena, o 'Toninho Buda'

“Os Vampiros são às vezes bons e às vezes maus. E às vezes bons e maus”.

Esta epígrafe do livro “Manual Prático do Vampirismo”, que Paulo Coelho supostamente teria escrito, bem poderia também epigrafar esta incrível história que, graças ao “drible da vaca” que Fernando Morais (autor da biografia ‘O Mago’) deu no seu biografado, todo mundo pôde conhecer – e que agora eu repasso neste artigo.

Há um engenheiro aqui em minha cidade chamado Antônio Walter Sena Jr, de 58 anos. Se você chegar aqui e procurar por este nome, quase ninguém vai saber responder... Mas se você perguntar por "Toninho Buda", a coisa melhora um pouco. Agora, se eu disser que Toninho Buda foi “escravo” de Paulo Coelho, então a coisa esquenta.

Toninho Buda é uma figura fantástica que se popularizou nos anos oitenta em shows nos quais aparecia como performático; declamando poemas e fazendo vivas à Sociedade Alternativa. Embora "porra-louca", Toninho não era um cidadão inconseqüente... Pés no chão (ou quase isto), ele nunca dispensava exercícios físicos e era figurinha carimbada nas maratonas – seja em Juiz de Fora ou seja em Nova York.

No início dos anos oitenta, Toninho montou um restaurante macrobiótico em Juiz de Fora e passou a ministrar palestras gratuitas sobre os benefícios de uma alimentação saudável. Foi numa dessas palestras que conheci Toninho. Lembro perfeitamente das suas preocupações já naquela época: os perigos da química nos alimentos; o desenfreado uso dos agrotóxicos...

Quando esteve em Juiz de Fora para se apresentar num dos memoráveis festivais de rock da cidade, Raul Seixas, acompanhado do seu parceiro Paulo Coelho, resolveu experimentar o rango daquele recanto “macrô" da rua São Mateus. Foi ali que nasceu a forte amizade entre Raul, Paulo e Toninho.

Pouco tempo depois daquele encontro em Juiz de Fora, Toninho, a pedido de Paulo Coelho, escreveu ‘Manual Prático do Vampirismo’. Competente na escrita, ele gastou apenas três dias e meio para concluir a obra e entregar para o seu amigo Paulo Coelho providenciar a edição. A co-autoria seria, pois, uma interação de competências: Toninho entraria com a criação intelectual e Paulo entraria com seus ótimos contatos editoriais no Rio.

Alguns meses depois, ao folhear o Jornal do Brasil, Toninho leu a boa nova: o livro seria lançado num hotel de luxo do Rio. O correio teria atrasado na entrega do convite ao autor, que pegou um ônibus e partiu para integrar a festa do lançamento. Toninho chegou à festa antes de Paulo. Pegou um livro no stand e ficou maravilhado com o resultado; com o acabamento... Mas quando começou a folhear a obra, Toninho começou a ficar nervoso; e deprimiu-se com a trágica descoberta: Paulo Coelho era o verdadeiro “vampiro mau”. Em nenhuma página; em nenhum cantinho de rodapé aparecia qualquer menção a Toninho.... Daí caiu a ficha: o correio não tinha atrasado na entrega do convite... porque não existia convite! Pois Paulo Coelho simplesmente roubara a criação do engenheiro. A dramática situação de Toninho talvez só um escritor iniciante entenderia: sentir-se um penetra na festa de lançamento do seu próprio livro. O único valor que Toninho recebeu pelo livro foi simplesmente este: uma refeição.

Algum tempo depois, Toninho foi contratado por Paulo Coelho para a famosa viagem à Espanha (Caminho de Santiago). A função do contratado, que ganharia 200 dólares por mês, seria ajudar na feitura do livro que seria o pontapé inicial para que o “mago” se tornasse um dos maiores vendedores de livros do planeta: “O Diário de Um Mago”. Na ocasião, Paulo gostava de repetir uma frase de Nelson Rodrigues: “O dinheiro compra até amor sincero”. Quando novamente “caiu a ficha” de que estava sendo explorado por um cínico incorrigível, Toninho Buda resolveu abandonar a idéia da Sociedade Alternativa e voltou a ser engenheiro em Juiz de Fora.
Consciente de que ninguém acreditaria na sua história, Toninho optou por guardar segredo sobre a verdadeira face de seu “amigo”. Mas quis o destino que um golpe audacioso do escritor Fernando Morais, biógrafo autorizado de Paulo Coelho, trouxesse toda a verdade à tona – e contra a vontade do biografado.

Acontece que Fernando Morais teve carta branca do biografado para buscar as fontes da sua pesquisa. Mas o que Paulo Coelho não esperava era que Morais, inadvertidamente, fosse descobrir um baú escondido no quartinho de empregada de um imóvel no Rio. O baú estava lacrado e constava no testamento do “mago” da seguinte forma: tinha que ser imediatamente incinerado logo após a morte de Paulo Coelho. O motivo era óbvio: ali continha muitas verdades impublicáveis. Entre vários escritos, Fernando Morais descobriu que Paulo Coelho sempre se referia a Toninho Buda como “meu escravo” – revelação esta que surpreendeu (e chocou) o próprio Toninho.

Enfim, opto por encerrar este artigo num estilo bem paulo-coelhiano: “num golpe mágico, quis o destino que a força da verdade abrisse o baú para tomar vida na própria biografia do mentiroso”.

Este artigo no blog do Luis Nassif:
http://www.projetobr.com.br/web/blog?entryId=8668

Também na home page do próprio Fernando Morais, biógrafo de Paulo Coelho:
http://www.fernandomorais.com.br/omago/imprensa.php?id_noticia=265

Saiba mais sobre Toninho Buda:
http://www.toninhobuda.com/

Toninho Buda sendo entrevistado pela Rede Globo:
http://g1.globo.com/Noticias/PopArte/0,,MUL592189-7084,00.html


quarta-feira, 13 de agosto de 2008

Brain Damage

Brain Damage
(Composição: Waters)

The lunatic is on the grass
The lunatic is on the grass
Remembering games and daisy chains and laughs
Got to keep the loonies on the path

The lunatic is in the hall
The lunatics are in my hall
The paper holds their folded faces to the floor
And every day the paper boy brings more

And if the dam breaks open many years too soon
And if there is no room upon the hill
And if your head explodes with dark forbodings too
I'll see you on the dark side of the moon

The lunatic is in my head
The lunatic is in my head
You raise the blade, you make the change
you re-arrange me 'till I'm sane

You lock the door
And throw away the key
There's someone in my head but it's not me

And if the cloud bursts, thunder in your ear
You shout and no one seems to hear
And if the band you're in starts playing different tunes
I'll see you on the dark side of the moon.


Tradução

Dano Cerebral

O lunático está no gramado
O lunático está no gramado
Lembrando brincadeiras e guirlandas e risadas
É isso que mantém os malucos no rumo

O lunático está na área
Os lunáticos estão na minha área
O jornal permanece dobrado virado para o chão
E todo dia o jornaleiro traz mais

E se os diques arrebentarem muitos anos antes do tempo
E se lá não tiver nenhuma moradia na colina
E se sua cuca também explodir com esses sombrios presságios
Eu te verei no lado escuro da lua

O lunático está na minha cabeça
O lunático está na minha cabeça
Você levanta a lâmina, você faz a mudança
Você me refaz até eu ficar sóbrio

Tranque a porta
E jogue fora a chave
Há alguém na minha cabeça mas não sou eu

E se a nuvem carregada trovejar em seu ouvido
Você grita e ninguém parecer ouvir
E se a banda em que você está começar a tocar diferentes melodias
Eu te verei no lado escuro da lua.


Com Brain Damage, chegamos ao estágio da loucura – o que nos leva a supor que tal condição seria a cor “escolhida” em ‘Any Color You Like’. Sem sombra de dúvidas, esta canção é uma clara referência de Waters a Syd Barrett, na figura do lunático.

A primeira estrofe remonta à infância de Waters. O gramado em questão, que ficava numa praça no seu trajeto para a escola, é uma imagem recorrente na memória do autor. Pois o que jogava Waters nessa fixação pelo gramado era a tabuleta onde se lia “não pise na grama”, algo que o incomodava. Ou seja: a beleza do gramado florido não é algo para sentir, mas tão-somente para ver. Assim, o ato de pisar e sentir o belo gramado; tirar as margaridas para fazer, vá lá, uma guirlanda* representa não apenas uma reles maluquice, mas principalmente uma subversão às regras impostas pela sociedade.

*Obs.: A expressão ‘Daisy chain’ (“guirlanda” ou “corrente de margarida”) nunca terá uma tradução feliz para o português, já que representa uma distração infantil muito popular na Inglaterra de se prender margaridas ao longo de correntinhas para usar como bijuteria (tiara, colar, pulseira etc). As “Daisy chains” viraram acessórios populares no movimento hippie dos anos sessenta (imagem imortalizada no musical ‘Hair’) e tomaram um fundo psicodélico. “Daisy chain”, inclusive, já fora expressão usada por John Lennon na canção ‘Dear Prudence’ (1968): “The clouds will be a daisy chain”. No mais, há uma lenda inglesa na qual uma fada dava comida misturada com pétalas de margaridas a um príncipe para evitar que ele crescesse e perdesse a sua pureza infantil.

Waters, agora já adulto, imaginando o lunático pisando na grama, acaba se identificando com ele – já que está realizando um desejo reprimido quando criança. Waters então se enxerga menino; vê no maluco sua própria imagem de menino, brincando; colhendo as margaridas para aproveitá-las para algo – já que, de qualquer jeito, elas morrerão. E principalmente isto: vê os sorrisos que, aliás, ele não pôde dar naquele tempo. Enfim, é assim; sorrindo; fugindo das convenções repressivas, que os malucos (e as crianças!) mantém seus respectivos rumos.

Na estrofe seguinte, o letrista começa aos poucos a se aproximar do louco: primeiramente, enxerga o louco numa área; em seguida, enxerga vários lunáticos na SUA área (defronte sua casa). Ali, ao chão, está o jornal intacto com sua capa virada para o chão. Esta imagem decompõe-se em duas vertentes: na primeira, a idéia do jornal dobrado, intacto, remete-nos ao distanciamento com os acontecimentos do mundo (alienação); na segunda, o jornal virado para o chão representa metaforicamente a real posição daqueles que ali são noticiados (líderes mundiais, cientistas, artistas, celebridades etc.). Ou seja: todos ali, dentro do jornal, seriam os verdadeiros loucos – loucura esta reproduzida todos os dias, quando o jornaleiro traz mais jornais...

Na terceira estrofe, temos o caos representado pela inevitável chegada da loucura. Pois de qualquer jeito, os diques (que mantêm a cuca no lugar) arrebentarão – inundando tudo o que estiver em volta. Mas se tal fatalidade acontecer antes do tempo pré-determinado; se não houver nada a ser salvo acima da inundação (na colina); ou mesmo se sua cuca fundir com esses maus presságios, então finalmente você conhecerá o lado escuro da lua. Na introdução deste trabalho, já foi dito o que representa o “lado escuro da lua”. Ali, tivemos a oportunidade de analisar que o “lado escuro da lua” representa o lado desconhecido que habita cada um de nós. E a lua, que vela todo o álbum, entra aqui na sua forma mais notável.... Não foi à toa, pois, que Waters optou pela palavra ‘lunatic’ (“lunático”), que embora seja sinônimo de “louco”, o dicionário nos traz como primeira definição: aquele que sofre a influência da lua.

Na seqüência, o letrista afirma – e reafirma – que, enfim, o lunático está dentro da sua própria cabeça: ‘The lunatic is in my head’. Em seguida, vêm os versos que demandam muita sutileza para a compreensão: ‘Você levanta a lâmina, você faz a mudança / Você me refaz até eu ficar sóbrio’. A lâmina aqui entra como representação da lobotomia, ou seja, reside aqui uma crítica metafórica ao “forçar de barra” na tentativa de tirar a pessoa da loucura, ou, rearranjá-la ao establishment. Na próxima estrofe vêm os versos que mostram o resultado disso... É como se o letrista quisesse dizer: já que você resolveu cometer tal absurdo (fazer a mudança em mim), então, após abrir a minha cabeça (para a “lobotomia”), tranque a porta (minha cabeça) e jogue a chave fora. Isto sugere o trancamento vitalício do “estabelecimento”, ou seja, o isolamento total da cabeça da pessoa de onde, doravante, nada entrará ou sairá. E de que adiantou a mudança se esta trouxe uma irrevogável crise existencial: “há alguém na minha cabeça, mas não sou eu”.

E vêm os versos finais que denotam a conseqüência disso tudo juntamente com a clara alusão a Syd Barrett. A nuvem carregada trovejando sugere uma tempestade (a explosão da cabeça) prestes a eclodir. Neste sentido, conforme vimos nos versos anteriores, como a pessoa teve sua cabeça mudada e trancada, mesmo que ela tente extrapolar suas emoções (gritar), ninguém irá ouvi-la. Então, em vez de explodir, a cuca da pessoa vai “implodir”, ou seja, ela vai pirar de vez. Enfim, vêm os versos finais em referência a Barrett: “E se a sua banda começar a tocar diferentes melodias / eu te verei no lado escuro da lua”. Para entender tal referência às diferentes melodias, torna-se necessário lembrar uma das principais causas da saída de Barrett do Pink Floyd: em alguns shows, quando a banda iniciava os acordes para tocar determinada canção, Barrett trocava as bolas e tocava os acordes de outra canção. Tal problema tornou-se crônico, o que motivou a saída do fundador do Pink Floyd. A referência às diferentes melodias foi, pois, a forma que Waters encontrou para fechar a canção como uma homenagem a Barrett.

Finalmente, vem a espetacular conclusão – e a espetacular homenagem: o fato de a banda (no caso, o Pink Floyd) ter começado a tocar melodias diferentes foi determinante para a saída de Barrett. Mas seriam tais “melodias diferentes” algo essencialmente ruim? Não. O fato de serem “diferentes” do tom do conjunto não significa que eram melodias ruins ou erradas. O que Wateres parece ter tentado dizer é o seguinte: no fundo, o Pink Floyd todo toca “diferente”; e este “diferente” significa o reconhecimento da forte influência estilística que Barrett, apesar da sua saída, continuou exercendo sobre as canções do grupo. Assim, seria como se Waters quisesse dizer diretamente a Barrett: se a banda em que você (ao menos espiritualmente) está começar a tocar melodias diferentes, então eu te verei (estarei contigo) não apenas nesse lado escuro que você conheceu, mas também em todo o álbum construído especialmente para você: ‘The Dark Side of Moon’.